Filosofia do Gato

Olho para o meu gato e medito. Medito teologias. Diziam os teólogos de séculos atrás que a harmonia da natureza deve ser o espelho em que os seres humanos devem buscar suas perfeições. O gato é um ser da natureza. Olho para o gato como um espelho. Não percebo nele nenhuma desarmonia. Sinto que devo imitá-lo. 

Camus observou que o que caracteriza os seres humanos é a sua recusa a serem o que são. Eles não estão felizes com o que são. Querem ser outros, diferentes. Por isso somos neuróticos, revolucionários e artistas. Do sentimento de revolta surgem as criações que nos fazem grandes. Mas nesse momento eu não quero ser grande. Quero simplesmente ter a saúde de corpo e de alma que tem o meu gato. Ele está feliz com a sua condição de gato. Não pensa em criações que o farão grande. 

Deitado ao lado do aquecedor (que manhã mais fria!), ele se entrega, sem pensar, às delícias do calor macio. Nesse momento, ele é um monge budista: nenhum desejo o perturba. Desejos são perturbações na tranquilidade da alma. Ter um desejo é estar infeliz: falta-me alguma coisa, por isso desejo… Mas para o meu gato nada falta. Ele é um ser completo. Por isso pode se entregar ao calor do momento presente sem desejar nada. E esse “entregar-se ao momento presente sem desejar nada” tem o nome de preguiça. Preguiça é a virtude dos seres que estão em paz com a vida.

Por pura brincadeira, escrevi um livrinho sobre demônios e pecados. Os demônios continuam soltos pelo mundo do jeito que sempre estiveram. Só que agora fazem uso de disfarces. Até se rebatizaram com nomes diferentes, científicos. Lidando com os demônios, usei palavras filosóficas e psicanalíticas de exorcismo. Lidando com os pecados, usei palavras éticas de condenação. Tudo ia muito bem até que cheguei ao pecado da preguiça. Preguiça é fazer nada. Nossa tradição religiosa nada sabe da espiritualidade oriental do taoísmo, que faz do “fazer nada”, wu-wei, a virtude suprema.

E aí, então, aquilo que deveria ser uma condenação do pecado da preguiça virou um elogio às delícias e virtudes da preguiça. Alguém disse que preferia os gatos aos cachorros porque não há gatos policiais. Policiais existem para fazer cumprir a lei, o dever. Dentro de mim, desgraçadamente, mora aquele cão policial a que Freud deu o nome de superego: ele rosna ameaças e culpas todas as vezes em que me deito na rede.

Meu gato, na sua imperturbável preguiça, me dá uma lição de filosofia. Não me dá ordens. Ele deve ter aprendido do Tao-Te-Ching, que diz que o homem verdadeiramente bom não faz coisa alguma… Estou velho e quero que me seja dado o privilégio de me entregar à filosofia do meu gato: fazer nada. Com consciência limpa, repetir com Fernando Pessoa: “Ai que prazer não cumprir um dever. Ter um livro para ler e não o fazer…”.

Assim, proponho que se acrescente aos direitos humanos já escritos, um outro, para os velhos: “Todos os velhos têm o direito à felicidade da preguiça”. Pois, como o Riobaldo disse: “Ah, a gente, na velhice, carece de ter sua aragem de descanso…”.

Assim, “vou descansar meu fardo no chão, À margem do rio… Não vou mais me preocupar com a guerra… Vou pôr no chão minha espada e meu escudo, À margem do rio…”.

Rubem Braga

Avareza?
Ah, as complexidades do amor e das finanças, não é mesmo? Quem diria que uma conta bancária poderia causar mais drama do que um episódio de novela? Vamos falar sobre aquele momento peculiar em que um dos parceiros decide que é melhor guardar um segredo financeiro como se fosse a receita secreta da Coca-Cola. Sim, estamos falando daquele súbito “ganho” financeiro que aparece sem aviso e some mais rápido do que você consegue dizer “consciência limpa”.
Ora, por que alguém esconderia uma quantia expressiva de dinheiro do seu parceiro, aquela pessoa com quem prometeu dividir até a última fatia de pizza? Só pode ser avareza, medonha e brilhante! Quem nunca sonhou em ser o próximo Tio Patinhas, nadando em uma piscina de moedas douradas enquanto o parceiro acredita que o orçamento está apertado? Ah, a doce ilusão de comprar um iate invisível ou um castelo inflável que nunca verá a luz do dia.
Mas talvez a razão seja mais complexa. Medo de perder? Talvez o pavor de que, ao revelar o tesouro escondido, o olhar do parceiro se transforme no de um dragão faminto, pronto para consumir todo o ouro. É como se confessar fosse abrir a porta para uma auditoria doméstica com mais críticas do que elogios.
E é claro, a boa e velha falta de confiança. Porque afinal, todos sabemos que a base de um relacionamento saudável é a capacidade de esconder pequenos segredos triviais, como uma micro transação de loteria vitoriosa ou aquele investimento que, “ah, não tem importância, querido(a)”.
A verdade é que, no fundo, somos todos um pouco como piratas emocionais, navegando nas águas turvas do matrimônio, escondendo nossos mapas do tesouro. No fim das contas, basta lembrar que a riqueza verdadeira não está no saldo bancário, mas nas risadas compartilhadas e nas ironias da vida a dois.
Sem esquecer, claro, de guardar os comprovantes. Pode ser que venha a calhar.
                                                                                                                        Reginaldo Araujo
Desculpem!

Queridos leitores,

Gostaríamos de pedir sinceras desculpas pela ausência de postagens nas últimas semanas. Infelizmente, enfrentamos um problema técnico que nos forçou a tomar medidas drásticas, incluindo a troca do servidor de hospedagem. Estamos cientes de que a falta de atualizações pode ter gerado preocupação, e agradecemos pela paciência demonstrada durante esse período.
Trabalhamos incansavelmente para restabelecer a normalidade do nosso blog e trazer conteúdos de qualidade que vocês tanto apreciam.
Fiquem atentos, ainda hoje teremos um post inédito.
Agradecemos a compreensão de todos.
Reginaldo Araujo
Historinha

PREMONITORIO

 

Do fundo de Pernambuco, o pai mandou-lhe um telegrama: Não saia casa 3 outubro abraços.

O rapaz releu, sob emoção grave. Ainda bem que o velho avisara: em cima da hora, mas avisara.

Olhou a data: 28 de setembro. Puxa vida, telegrama com a nota de urgente, levar cinco dias de Garanhuns a Belo Horizonte! Só mesmo com uma revolução esse telégrafo endireita. E passado às sete da manhã, veja só; o pai nem tomara o mingau com broa, precipitara-se na agência para expedir a mensagem.

Não havia tempo a perder. Marcara encontros para o dia seguinte, e precisava cancelar tudo, sem alarde, como se deve agir em tais ocasiões. Pegou o telefone, pediu linha, mas a voz de d. Anita não respondeu. Havia tempo que morava naquele hotel e jamais deixara de ouvir o “pois não” melodioso de d. Anita, durante o dia. A voz grossa, que resmungara qualquer coisa, não era de empregado da casa; insistira: “como é?”, e a ligação foi dificultosa, havia besouros na linha.

Falou rapidamente a diversas pessoas, aludiu a uma ponte que talvez resistisse ainda uns dias, teve oportunidade de escandir as sílabas de arma virumque cano, disse que achava pouco cem mil unidades, em tal emergência, e arrematou: “Dia 4 nós conversamos”.

Vestiu-se, desceu. Na portaria, um sujeito de panamá bege, chapéu de aba larga e sapato de duas cores levantou-se e seguiu-o. Tomou um carro, o outro fez o mesmo. Desceu na praça da Liberdade e pôs-se a contemplar um ponto qualquer. Tirou do bolso um caderninho e anotou qualquer coisa. Aí, já havia dois sujeitos de panamá, aba larga e sapato bicolor, confabulando a pequena distância. Foi saindo de mansinho, mas os dois lhe seguiram na cola. Estava calmo, com o telegrama do pai dobrado na carteira, placidez satisfeita na alma.

O pai avisara a tempo, tudo correria bem. Ia tomar a calçada quando a baioneta em riste advertiu: “Passe de largo”; a Delegacia Fiscal estava cercada de praças, havia armas cruzadas nos cantos. Nos Correios, a mesma coisa, também na Telefônica. Bondes passavam escoltados. Caminhões conduziam tropa, jipes chispavam. As manchetes dos jornais eram sombrias; pouca gente na rua. Céu escuro, abafado, chuva próxima. Pensando bem, o melhor era recolher-se ao hotel; não havia nada a fazer.

Trancou-se no quarto, procurou ler, de vez em quando o telefone chamava: “Desculpe, é engano”, ou ficava mudo, sem desligar. Dizendo-se incomodado, jantou no quarto, e estranhou a camareira, que olhava para os móveis como se fossem bichos. Deliberou deitar-se, embora a noite apenas começasse. Releu o telegrama, apagou a luz. Acordou assustado, com golpes na porta. Cinco da manhã. Alguém o convidava a ir à Delegacia de Ordem Política e Social. “Deve ser engano.” “Não é não, o chefe está à espera.” “Tão cedinho? Precisa ser hoje mesmo? Amanhã eu vou.” “É hoje e é já.” “Impossível.” Pegaram-lhe dos braços e levaram-no sem polêmica. A cidade era uma praça de guerra, toda a polícia a postos.

“O senhor vai dizer a verdade bonitinho e logo” — disse-lhe o chefe. — “Que sabe a respeito do troço?” “Não se faça de bobo, o troço que vai estourar hoje.” “Vai estourar?” “Não sabia? E aquela ponte que o senhor ia dinamitar, mas era difícil?” “Doutor, eu falei a meu dentista, é um trabalho de prótese que anda abalado.

Quer ver? Eu tiro.” “Não, mas e aquela frase em código muito vagabundo, com palavras que todo mundo manja logo, como arma e cano?” “Sou professor de latim, e corrigi a epígrafe de um trabalho.” “Latim, hem? E a conversa sobre os cem mil homens que davam para vencer?” “São unidades de penicilina que um colega tomou para uma infecção no ouvido.” “E os cálculos que o senhor fazia diante do palácio?” Emudeceu. “Diga, vamos!” “Desculpe, eram uns versinhos, estão aqui no bolso.” “O senhor é esperto, mas saia desta. Vê este telegrama? É cópia do que o senhor recebeu de Pernambuco. Ainda tem coragem de negar que está alheio ao golpe?” “Ah, então é por isso que o telegrama custou tanto a chegar?” “Mais custou ao país, gritou o chefe. Sabe que por causa dele as Forças Armadas ficaram de prontidão, e que isso custa cinco mil contos? Diga depressa.” “Mas, doutor…” Foi levado para outra sala, onde ficou horas. O que aconteceu, Deus sabe. Afinal, exausto, confessou: “O senhor entende conversa de pai pra filho? Papai costuma ter sonhos premonitórios, e toda a família acredita neles. Sonhou que me aconteceria uma coisa no dia 3, se eu saísse de casa, e telegrafou prevenindo. Juro!”.

Dia 4, sem golpe nenhum, foi mandado em paz. O sonho se confirmara: realmente, não devia ter saído de casa. 

Carlos Drumond de Andrade

Lançado em 1978, 70 historinhas reúne a prosa já publicada por Drummond em outros livros. São crônicas e contos – ou “cronicontos” – em que a observação caminha junto com a fabulação, o humor roça cotovelos com o lirismo e a crítica aparece arejada pelo deboche. Treze das histórias deste livro têm crianças e adolescentes como personagens, sem que o autor se preste a infantilizá-las, pela paródia da linguagem ou pelo primarismo das ações. Pelo contrário, elas enfrentam, contestam e vencem, muitas vezes, os detentores da autoridade, com a inteligência e a argúcia a que recorrem para desafiar-lhes o poder. Mais um lance de gênio de um dos mais importantes autores brasileiros de todos os tempos.

POEMA SOBRE A VELHICE

A literatura e a poesia, têm esse dom, de nos fazer imortais. Hoje trago ao blog, o imortal José Saramago

Quantos anos eu tenho?
O que importa isso?
Tenho a idade que escolho e que sinto!
A idade em que posso gritar sem temor o que penso,
fazer o que desejo sem receio de errar,
pois trago comigo a experiência dos anos vividos
e a força inabalável das minhas convicções.

Não importa quantos anos tenho,
não quero saber disso!
Alguns dizem que estou velho,
outros afirmam que estou no auge.
Mas não são os números que definem a minha vida,
não é o que dizem,
mas sim o que o meu coração sente
e o que a minha mente dita.

Tenho os anos suficientes para gritar minhas verdades,
fazer o que quero,
reconhecer velhos erros,
corrigir rotas e valorizar vitórias.
Já não preciso ouvir:
“Você é jovem demais, não vai conseguir”,
ou “Você está velho demais, o seu tempo já passou”.

Tenho a idade em que as coisas são vistas com serenidade,
mas com o desejo incessante de continuar crescendo.
Tenho os anos em que os sonhos
podem ser tocados com os dedos,
e as ilusões se transformam em esperança.

Tenho os anos em que o amor,
às vezes, é uma chama ardente,
ansiosa para se consumir no fogo de uma paixão.
Outras vezes, é um porto de paz,
como o pôr do sol que se reflete nas águas tranquilas do mar.

Quantos anos eu tenho?
Não preciso contar,
pois os desejos que alcancei,
os triunfos que obtive,
e as lágrimas que derramei pelas ilusões perdidas,
valem mais do que qualquer número.

O que importa se fiz cinquenta, sessenta ou mais?
O que realmente importa é a idade que sinto,
a força que tenho para viver sem medo,
seguir meu caminho com a experiência adquirida
e o vigor dos meus sonhos.

Quantos anos eu tenho?
Isso não importa!
Tenho os anos suficientes para não temer mais nada,
e para fazer o que quero e sinto.
A idade? Não importa quantos anos ainda tenho,
porque aprendi a valorizar o essencial
e a carregar comigo apenas o que realmente importa!

José Saramago

José de Sousa Saramago 
(Azinhaga, Golegã, 16 de novembro de 1922,Tías, Lanzarote, 18 de junho de 2020 foi um escritor português. Galardoado com o Nobel de Literatura de 1998. Também ganhou, em 1995, o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa. Saramago foi considerado o responsável pelo efetivo reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa. A 24 de Agosto de 1985 foi agraciado com o grau de Comendador da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada e a 3 de Dezembro de 1998 foi elevado a Grande-Colar da mesma Ordem, uma honra geralmente reservada apenas a Chefes de Estado.
: A título póstumo, em 2021, no âmbito da abertura oficial das comemorações do centenário do seu nascimento, foi condecorado com o grau de Grande-Colar da Ordem de Camões por “serviços únicos prestados à cultura e à língua portuguesas”, o primeiro membro titular desta ordem honorífica recém-instituída.

Fonte: Wikipedia

 

TRADUZIR-SE

Hoje, quem comparece é Ferreira Gullar, com um poema que muito tem a ver comigo, pois me revela (ou traduz?).

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?

Ferreira Gullar

Ferreira Gullar nasceu em São Luís, em 10 de setembro de 1930, com o nome de José Ribamar Ferreira. É um dos onze filhos do casal Newton Ferreira e Alzira Ribeiro Goulart.

Em 1956 participou da exposição concretista que é considerada o marco oficial do início da poesia concreta, tendo se afastado desta em 1959, criando, junto com Ligia Clark e Hélio Oiticica, o neoconcretismo, que valoriza a expressão e a subjetividade em oposição ao concretismo ortodoxo.
Posteriormente, ainda no início dos anos de 1960, se afastará deste grupo também, por concluir que o movimento levaria ao abandono do vínculo entre a palavra e a poesia.
Em 2014, ele foi considerado um imortal na Academia Brasileira de Letras.

Ferreira Gullar morreu em 4 de dezembro de 2016, na cidade do Rio de Janeiro em decorrência de vários problemas respiratórios.

DRUMMOND

As minhas desculpas por essa ausência de duas semanas. Para compensar, hoje temos Drummond em dose dupla!

CONGRESSO INTERNACIONAL DO MEDO

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

Carlos Drummond de Andrade

OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond de Andrade

*Extraídos do livro “Sentimento do Mundo”

 

APROVEITE O DIA

Hoje quem passa aqui pelo blog é Walt Whitman o “pai do verso livre”

Aproveita o dia,
Não deixes que termine sem teres crescido um pouco.
Sem teres sido feliz, sem teres alimentado teus sonhos.
Não te deixes vencer pelo desalento.
Não permitas que alguém te negue o direito de expressar-te, que é quase um dever.
Não abandones tua ânsia de fazer de tua vida algo extraordinário.
Não deixes de crer que as palavras e as poesias sim podem mudar o mundo.
Porque passe o que passar, nossa essência continuará intacta.
Somos seres humanos cheios de paixão.
A vida é deserto e oásis.
Nos derruba, nos lastima, nos ensina, nos converte em protagonistas de nossa própria história.
Ainda que o vento sopre contra, a poderosa obra continua, tu podes trocar uma estrofe.
Não deixes nunca de sonhar, porque só nos sonhos pode ser livre o homem.
Não caias no pior dos erros: o silêncio.
A maioria vive num silêncio espantoso. Não te resignes, e nem fujas.
Valorize a beleza das coisas simples, se pode fazer poesia bela, sobre as pequenas coisas.
Não atraiçoes tuas crenças.
Todos necessitamos de aceitação, mas não podemos remar contra nós mesmos.
Isso transforma a vida em um inferno.
Desfruta o pânico que provoca ter a vida toda a diante.
Procures vivê-la intensamente sem mediocridades.
Pensa que em ti está o futuro, e encara a tarefa com orgulho e sem medo.
Aprendes com quem pode ensinar-te as experiências daqueles que nos precederam.
Não permitas que a vida se passe sem teres vivido…

Walt Whitman

Walt Whitman (1819-1892) nasceu em Long Island e estudou no Brooklyn, Nova York. Ele foi jornalista, editor, professor e escritor. Em 1855 lançou a reunião de poemas com o título de Folhas de Relva, que se tornou um cânone da literatura norte-americana e mundial.

 

SÊNECA

Com tudo que estamos vivenciando hoje no Brasil e no mundo, julguei oportuno buscar entendimento em textos de filósofos clássicos que possam alargar a visão sobre fatos da História contemporânea. Escolhi um texto de Sêneca, o filosofo romano.

Lúcio Aneu Sêneca, nasceu em 4 a.C. em Córdoba, na Hispânia, e morreu em 65 d.C. em Roma. Foi um filósofo, estadista, dramaturgo e orador romano, amplamente reconhecido como um dos mais importantes representantes do estoicismo. Ele passou parte de sua juventude em Roma, onde se envolveu na política e ganhou fama como advogado e senador. No entanto, sua carreira política foi tumultuada, marcada por exílios e retornos. Durante o reinado do imperador Calígula, Sêneca foi quase executado, mas foi salvo pela intercessão de uma amante do imperador. Sob o governo de Cláudio, foi acusado de adultério com Júlia Livila, sobrinha do imperador, e exilado para a Córsega por oito anos. Sêneca retornou a Roma em 49 d.C., graças à influência de Agripina, mãe de Nero. Tornou-se tutor e conselheiro de Nero, futuro imperador. Durante os primeiros anos do reinado de Nero, Sêneca e o prefeito do Pretório, Burro, governaram efetivamente Roma, promovendo um governo relativamente estável e moderado.

Apesar disso, ou talvez por isso, em 65 d.C., Sêneca foi acusado de conspirar contra Nero e condenado ao suicídio. Ele aceitou seu destino com a serenidade de um verdadeiro estoico, deixando um legado duradouro na filosofia e literatura ocidentais.

Sobre a brevidade da vida

(ver nota)

Por que reclamamos da Natureza? Ela tem se mostrado bondosa; a vida, se você souber como usá-la, é longa. Mas um homem é possuído por uma avareza insaciável, outro por uma devoção árdua a tarefas inúteis; um homem está embriagado com vinho, outro está paralisado pela preguiça; um homem está exaurido por uma ambição que sempre depende da decisão dos outros, outro, impulsionado pela ganância do comerciante, é conduzido por todas as terras e todos os mares pela esperança de ganho; alguns são atormentados por uma paixão pela guerra e estão sempre inclinados a infligir perigo aos outros ou preocupados com que levem perigo a si próprio; alguns estão cansados pela servidão voluntária em uma atenção ingrata aos grandes; muitos estão ocupados na perseguição da fortuna alheia ou em reclamar da própria; muitos, sem um objetivo fixo, mutáveis e inconstantes e insatisfeitos, são mergulhados por sua volubilidade em planos sempre novos; alguns não têm princípio fixo para orientar seu curso, mas o Destino os pega de surpresa enquanto eles se encostam e bocejam – tão certamente acontece que não posso duvidar da verdade daquela declaração que o maior dos poetas proferiu com toda a aparência de um oráculo: “A parte da vida que realmente vivemos é pequena”. Pois todo o resto da existência não é vida, mas apenas tempo. Vícios nos cercam por todos os lados, e eles não nos permitem soerguermos de novo e levantar nossos olhos para o discernimento da verdade, mas nos mantêm para baixo quando uma vez nos dominaram e estamos acorrentados à luxúria.

Nota:

Aqui destaco o capitulo 2 da obra citada. A obra completa pode ser encontrada na internet em diversos formatos, pdf, epub, e outros. Podem também ser encontrados diversos vídeos sobre a obra.

RA

 

Sonho

Noite passada tive um sonho: Encontrava, assim sem mais nem menos, a Clarice! Claro que fiquei em êxtase, mas recompus-me logo! Afinal não ia ficar feito bobo frente a Clarice Lispector! Mas ela muito gentilmente, vendo a minha aflição, veio até mim e disse: “Olá, posso lhe ajudar em alguma coisa?”. Eu imediatamente, querendo aproveitar esse momento único pedi-lhe que me ensinasse o que fazer para ser feliz. Ela sorriu, e me disse: “senta-te e tomas nota”. Me acomodei imediatamente e tomando emprestado a um anjo que por ali passava, caderno e uma caneta (no sonho podemos tudo). Então eis o que ela me ditou:

APRENDENDO A VIVER

Thoreau era um filósofo americano que, entre coisas mais difíceis de se assimilar assim de repente, numa leitura de jornal, escreveu muitas coisas que talvez possam nos ajudar a viver de um modo mais inteligente, mais eficaz, mais bonito, menos angustiado.
Thoreau, por exemplo, desolava-se vendo seus vizinhos só pouparem e economizarem para um futuro longínquo. Que se pensasse um pouco no futuro, estava certo. Mas «melhore o momento presente», exclamava. E acrescentava: «Estamos vivos agora.» E comentava com desgosto: «Eles ficam juntando tesouros que as traças e a ferrugem irão roer e os ladrões roubar.»
A mensagem é clara: não sacrifique o dia de hoje pelo de amanhã. Se você se sente infeliz agora, tome alguma providência agora, pois só na sequência dos agoras é que você existe.
Cada um de nós, aliás, fazendo um exame de consciência, lembra-se pelo menos de vários agoras que foram perdidos e que não voltarão mais. Há momentos na vida que o arrependimento de não ter tido ou não ter sido ou não ter resolvido ou não ter aceito, há momentos na vida em que o arrependimento é profundo como uma dor profunda.
Ele queria que fizéssemos agora o que queremos fazer. A vida inteira Thoreau pregou e praticou a necessidade de fazer agora o que é mais importante para cada um de nós.
Por exemplo: para os jovens que queriam tornar-se escritores mas que contemporizavam — ou esperando uma inspiração ou se dizendo que não tinham tempo por causa de estudos ou trabalhos — ele mandava ir agora para o quarto e começar a escrever.
Impacientava-se também com os que gastam tanto tempo estudando a vida que nunca chegam a viver. «É só quando esquecemos todos os nossos conhecimentos que começamos a saber.»
E dizia esta coisa forte que nos enche de coragem: «Por que não deixamos penetrar a torrente, abrimos os portões e pomos em movimento toda a nossa engrenagem?» Só em pensar em seguir o seu conselho, sinto uma corrente de vitalidade percorrer-me o sangue. Agora, meus amigos, está sendo neste próprio instante.
Thoreau achava que o medo era a causa da ruína dos nossos momentos presentes. E também as assustadoras opiniões que nós temos de nós mesmos. Dizia ele: «A opinião pública é uma tirana débil, se comparada à opinião que temos de nós mesmos.» É verdade: mesmo as pessoas cheias de segurança aparentem julgam-se tão mal que no fundo estão alarmadas. E isso, na opinião de Thoreau, é grave, pois «o que um homem pensa a respeito de si mesmo determina, ou melhor, revela seu destino».
E, por mais inesperado que isso seja, ele dizia: tenha pena de si mesmo. Isso quando se levava uma vida de desespero passivo. Ele então aconselhava um pouco menos de dureza para com eles próprios. O medo faz, segundo ele, ter-se uma covardia desnecessária. Nesse caso devia-se abrandar o julgamento de si próprio. «Creio», escreveu, «que podemos confiar em nós mesmos muito mais do que confiamos. A natureza adapta-se tão bem à nossa fraqueza quanto à nossa força. E repetia mil vezes aos que complicavam inutilmente as coisas — e quem de nós não faz isso? —, como eu ia dizendo, ele quase gritava com quem complicava as coisas: simplifique! simplifique!

Clarice Lispector (A descoberta do mundo)